domingo, 12 de abril de 2015

REENCONTRO COM DEUS




Em 29/03/2015; às 11:00 hs.

Tenho me sentido como um ferro velho retorcido, depois de passar por todas essas cirurgias de reconstrução de face. A Espiritualidade, certa vez, disse-me que as minhas dores eram polimento para o Espírito, que hoje estou melhor, com menos ferrugem na alma. De fato, estou melhor! A Doutrina Espírita não elimina as nossas dores e sofrimentos, não ensina a ser masoquista e nem nos livra de nossas provas e expiações, mas, convida-nos através dos ensinamentos do Cristo, a perceber a outra face da dor - o amor.

Pensei que seria menos doído após a cirurgia, que acordaria da anestesia e despertaria, como por encantamento, para uma nova vida, sem sofrimento ou angústia. Finalmente, tudo seria diferente. Com o meu osso regenerado, eu estaria inteira para "encarar" a vida lá fora. No entanto, estou presa dentro de mim. Não compreendo o que está acontecendo, mas, vencer esta etapa ainda não me fez reencontrar comigo mesma, e, consequentemente, nem com a vida lá fora. Olho para o espelho e ainda não me vejo, volto-me para dentro de mim, e não me encontro. Sem me encontrar, não encontro forças para prosseguir.

Um irmão da Casa Espírita costumava dizer que somos todos imediatistas, bem não desejamos uma coisa e já queremos recebê-la de imediato. E logo conseguimos conquistar, já estamos insatisfeitos, querendo mais outra coisa... e outra. A nossa alegria é efêmera, proporcional as nossas conquistas. Mal conquistamos e a nossa alegria parece que já acabou!

Fico pensando que esta insatisfação é necessária para que continuamos a evoluir, é um movimento natural. Entendo que todos bens terrenos, os sonhos e os desejos, tudo são meios necessários para que possamos progredir material e moralmente. Se os sonhos acabassem a vida estacionaria. Se nos dessemos completamente por satisfeitos a cada conquista, possivelmente, estacionaríamos conformados, e, o propósito da reencarnação é a evolução do Espírito. Compreendo que para evoluir é preciso passar por transformações sucessivas. Por estarmos em movimentos constantes, creio que essa insatisfação seja produto desses movimentos, que contribuem para essas transformações. Quando ocorre a transformação, o trabalho já realizou, então, cessa está insatisfação. A alegria plena é para os Espíritos Evoluídos. No mundo de provas onde vivemos, a alegria é relativa.

Meu rosto já teve tantas formas, e, tantas deformações, que estou confusa. A cada cirurgia, já contam quinze, eu acredito que vou me reencontrar. Tinha um rosto bonito, um sorriso perfeito, depois, já não existiam mais. Reconstrói e desconstrói, essa é a minha passagem pela vida terrena, recomeçar... recomeçar e... recomeçar. E, de tantos recomeços, sinto-me sem saber onde chegar.

Contudo, eu não me sinto no direito de não estar bem. Estou agradecida ao senhor meu Deus, por me permitir, a cada dia, poder recomeçar. Não é falta de reconhecimento em Deus, disto eu estou certa. Mas, a percepção dos meus vários "eu" que me acompanha nesta existência, das múltiplas faces, coloca-me em conflito interno. Eu olho-me no espelho e não consigo mais perceber quem eu sou. Eu pareço me ver além do espelho. Estou presa a estas imagens, presa a essas percepções e, isto, muitas vezes, apavora-me, porque sei que eu preciso me reencontrar. Preciso saber quando foi que me perdi de mim mesma, e isso me causa dor.

Não foram somente os sonhos desfeitos inúmeras vezes, projetos escritos a lápis por saber que teria que apagá-los e reescrevê-los diversas vezes. Uma vida onde parece que nada construí de concreto, de edificante, parecendo que tudo foi tempo perdido. E não são somente de bens materiais a que me refiro não, mas, refiro-me ao meu "eu" interior esfacelado, retorcido, machucado. Reconstruir o corpo físico tem sido sofrido, demorado, revolvido de muitas alegrias e tristezas simultâneas, um misto de sonhos e frustrações constantes. Porém, reconstruir a minha alma mitigada pela dor, encontrar o que dela existe, está sendo uma tarefa muito, mas muito árdua.

Sei que estou, novamente, começando um novo recomeço, ainda existe uma longa estrada para percorrer. O osso foi reconstruído, mas, há um longo processo de reabilitação para o corpo e para o Espírito. É preciso respeitar os limites do corpo, vencer cada etapa. O organismo físico tem que se readaptar as novas mudanças, afinal, foram vários anos tendo que se moldar as várias cirurgias, incisões nos tecidos, implantes e retiradas de próteses, perda de massa muscular, atrofiamento nasal, deformação da arcada dentária, desgaste da articulação mandibular, colocação do "distrator ósseo", um procedimento que leva não só o tecido ósseo, mas também o tecido mole de uma região para outra da face, muito traumático. Não será de um dia para o outro, apesar de tudo ter corrido com maior sucesso, que tudo vai voltar ao seu eixo num único instante, ou, num "piscar de olhos". Mas, vai voltar.

Para quê pressa, se eu tenho esperança?

O corpo físico sofreu diversas mudanças para se adaptar as várias faces ou fases. O Espírito experimentou a dor da mutilação física, a alegria da reconstrução, novamente a dor da mutilação, e, outra vez a alegria da reconstrução, e, assim, sucessivamente. Bem como, conheceu a dor moral, a rejeição, o constrangimento, a discriminaçao e, até mesmo, a solidão. Mas, se beneficiou com a luz da esperança, raio do amor divino e conheceu a solidariedade da providência divina. 

Silenciar em mim mesma, dentro da minha própria dor, neste momento, parece-me necessário para me encontrar com o Deus interior, que habita em cada um de nós, e que não se cansa de aguardar por este reencontro. O encontro comigo mesma, com a minha própria essência, esse, provavelmente, seja o verdadeiro reencontro com Deus.

"_ Que é Deus?" (Livro dos Espíritos).

"_ Deus é a inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas" (As Causas Primeiras. O livro dos Espíritos, cap. I).

Não há efeito sem causa. Vemos constantemente uma imensidade de efeitos, cuja causa não está na humanidade, pois que a Humanidade é impotente para produzi-los, ou, sequer, para explicá-los. A causa está acima da Humanidade. É a essa causa que se chama Deus.

A inferioridade das faculdades do homem não lhe permite compreender a natureza íntima de Deus. Na infância da Humanidade, o homem o confunde, frequentemente, com a criatura, da qual lhe atribui as imperfeições. Mas, à medida que o senso moral se desenvolve nele, seu pensamento penetra melhor o fundo das coisas, e dele faz uma ideia mais justa e mais conforme a sã razão, embora sempre incompleta (L.E.).

A Doutrina Espírita tem como princípios básicos: Deus; a imortalidade da alma; a comunicabilidade com os Espíritos; a reencarnação e; a evolução. Deus é o criador de tudo. Ele é onipotente (pode tudo), onisciente (sabe tudo) e onipresente (está em toda parte). Deus ainda é soberanamente justo e bom, porque dá a cada um segundo o seu merecimento, e, em Deus não existe o mal, visto que Ele é amor. É misericordioso, pois que, sofremos bem menos do que merecemos, por graça de sua misericórdia, que é o "analgésico" para nossa dor. O merecimento está atrelado a algo que se precisa, tem que haver um significado, uma serventia. Assim, merecer é você ter o que é necessário para o seu desenvolvimento, justo é ter o necessário (GUIMARÃES, A.: 2014).

A Doutrina Espírita esclarece que a dor não é um castigo de Deus, não vem para punir os pecadores, como reforça algumas religiões. A crença na existência de Deus, soberanamente justo e bom, leva-nos a perceber que o mal não existe, assim, a doença, também, não nos é dada por Deus, somos nós mesmos que a criamos. Segundo Anete Guimarães, em sua palestra "A Justiça Divina Segundo o Espiritismo":

"_ O que vos parece o mal, nada mais é que a ignorância do bem" (Anete Guimarães).

A ignorância não é um estado permanente, é transitório e vai passar, porque, segundo a Doutrina Espírita, estamos reencarnados para evoluir. Assim sendo, o mal nada mais é do que um processo natural de desenvolvimento humano. Todos iremos passar por este estágio de desenvolvimento. O que não tira a nossa responsabilidade sobre ele. "Você é responsável pelo mal que faz, mas também pelo bem que deixa de fazer" (L. E.).

Afirmar que o mal existe é negar a presença de Deus em todas as partes. Logo, Ele não seria onipresente, nem onisciente, e não seria todo-poderoso. "Deus não criou o mal; Ele estabeleceu leis, e estas são sempre boas, porque ele é soberanamente bom; aquele que as observasse fielmente, seria perfeitamente feliz; porém, os Espíritos, tendo seu livre-arbítrio, nem sempre as observam, e é dessa infração que provém o mal" (L. E.). Causamos o mal por desconhecer a Lei do Amor, ensinada por Jesus, o Cristo.

A dor, segundo estudiosos da área, é morte celular. É um sinal fisiológico e não patológico. A dor não é um aviso de doença, mas de prevenção contra a doença. Ela indica que algo está errado no organismo, como expõe muito claramente a Drª. Anete Guimarães (2010). Logo, a dor não é castigo de Deus, ela existe para nossa preservação. A dor avisa que o comportamento que se está tendo é prejudicial ao organismo. Sem a dor não mudaríamos este comportamento (GUIMARÃES, A.: 2010).

A dor moral (sentimento) também existe. Na dor moral a pessoa não sabe identificar onde dói. Dói tudo. Os médicos denominam de dor "difusa", a dor em todo o corpo. Isto acontece, segundo Anete Guimarães (2010), porque é liberado para o organismo, quando somos movidos pela raiva, medo, ansiedade: cortisona, adrenalina, entre outras substâncias tóxicas, que produzem morte em todas células do corpo. A dor moral avisa que estamos nos comportando de forma errada, prejudicial ao organismo e que precisamos mudar o nosso comportamento, para o nosso bem. Muitas doenças, hoje, são aceitas pela ciência como produtos da mágoa, do ciúme, da raiva, como: o câncer, doenças renais e a própria depressão obsessiva.

Francisco Xavier retrata bem está situação quando diz: "_ A evolução só se dá através da desidratação. Ou você aprende suando ou chorando". Em outras palavras, ou o Espírito evolui através do trabalho (suor), ou, através do sofrimento (lágrimas). Para eliminar a dor é preciso buscar a causa, seja no comportamento, seja no sentimento, ou no que se esteja fazendo naquele momento. Se não se consegue identificar, então, deve-se buscar a origem do problema. Como ensina a filosofia Espírita: "_ Conhece-te a ti mesmo".

Comumente, culpamos o outro por nossas angústias, dores e sofrimentos. Quando colocamos a culpa no outro, parecemos mais leve, porém, é só impressão. O melhor é olhar para si mesmo e buscar identificar a causa do mal estar. Ninguém tem culpa por nossa dor. Se está doendo é porque me comportei mal: por egoísmo, por orgulho, por vaidade, por avareza, ou, por ir de encontro com a vontade de Deus (rebeldia), causando prejuízo a minha saúde física ou espiritual. O que o outro faz é um problema só dele. Se me atinge é porque me comporto mal diante da atitude do outro. Ao invés de culpar o outro, modifique-se!

O rancor é a base da obsessão. O obsessor aguarda séculos a oportunidade para se vingar. Logo, para se curar da obsessão é preciso mudar a base, o sentimento. Mudar o pensamento para não entrar em sintonia com o mal. O Espírita tem ainda um motivo maior para a indulgência para com os inimigos. Pois que, tem conhecimento que a maldade não é o estado permanente do homem, mas decorre de uma imperfeição momentânea, e que da mesma maneira que a criança se corrige dos seus defeitos, o homem mau reconhecerá um dia os seus erros e se tornará bom (E. S. E., cap. XII; 5).

Somente o amor transcende a morte. "O amor ama por causa do amor". Independente de ser dor física ou moral, a dor é causada pelo nosso mal comportamento. Mudando o nosso comportamento, podemos curar a nossa dor. Substituindo nossos vícios por virtudes: perdoando, praticando a caridade, sendo solidários, podemos aliviar a dor.

Este é o reencontro que devemos ter conosco mesmo: buscar Jesus e sair da infância espiritual - a ignorância, evoluir para reencontrar o amor que germina dentro de todo ser. Deixar o comportamento animal arqueológico (primitivo) e compreender que evoluímos para condição de homo-sapiens, já trazemos na consciência o sentido do bem. "Procurai a origem desses acessos de demência passageira, que vos assemelham aos brutos, fazendo-vos perder o sangue frio e a razão; procurai-a, e encontrareis quase sempre por base o orgulho ferido" (E. S. E.).

Somos feitos a imagem e semelhança de Deus. Somos feito da essência divina, do amor. Jesus está de braços abertos para nos libertar do sofrimento, basta segui-lo, como modelo e guia. "_ Vinde a mim, todos os que andais em sofrimento, e vos achais carregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve" (Mateus, XI: 28-30). Evoluir também é uma escolha. Que está seja a sua. Que Assim Seja!

Luz e Amor!


"E assim, tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o também vós a eles. Porque esta é a lei e os profetas" (Mateus, XXII: 334-40) 
(Amar o próximo como a si mesmo, cap. XI; 2. O Evangelho Segundo o Espiritismo) 

4 comentários:

  1. "_ O que vos parece o mal, nada mais é que a ignorância do bem" (L. E.).
    Que questão é essa do livro dos Espíritos?

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    1. Grata!

      Essa questão encontra-se em "A Gênese", cap. III, item 8, intitulado "O bem e o mal", de Allan Kardec. Em O Livro dos Espíritos, essa mesma questão é tratada no cap. I, livro III, itens 629-646.

      Era para referir à Kardec, no entanto, coloquei L.E.. Farei a correção.

      Abraço fraterno!

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  2. "_ O que vos parece o mal, nada mais é que a ignorância do bem" (L. E.).
    Realmente a frase acima não se encontra em nenhum dos livros mencionados por você. Para mim é importante, saber a origem da frase por que a Anete Guimarães a cita em uma de suas palestras no Youtube. Eu lembro de já ter lido a frase acima antes. Somente não lembro se foi em um livro de Kardec.

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  3. Também não encontrei esta citação, nem no L.E. e nem na Genese.

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"(...) Quem se faz instrutor deve valorizar o ensino aplicando-o em si próprio" (Joanna de Ângelis.