domingo, 18 de agosto de 2013

VONTADE E DESEJO

 O Sonho de Ícaro (Biafra)


Em 20-07-2013; às 8hs e 30mint.

Hoje, assistindo a um grupo de dança, percebi-me dançando. A dança era o meu objeto maior de desejo e, a minha grande frustração. Dançar significava poder expressar o meu sentimento de liberdade, era a representação simbólica do que verdadeiramente sou, um ser livre, mas não liberto. Um Espírito que deseja alçar voo na imensidão do espaço, mas que se vê cerceado por um invólucro grosseiro e pesado que lhe impossibilita o arroubo.

"Eu nasci pra brilhar", dizia-me sempre frente ao espelho enquanto soltava-me em movimentos leves, vislumbrando um grande salto para a liberdade. Dançava como bailarina sem nunca antes ter ido a uma escola de dança. A dança já estavam em mim, bastava fechar os olhos e entregar-me a melodia. Já na escola, na infância, ansiava pelo dia em que haveria aula de "expressão corporal", para sentir-me como uma plantinha brotando do solo materno. Esse desejo foi criando raízes.

Meus pais não podiam alimentar os meus sonhos, eramos sete  filhos para sustentar. Então, a dança ficou apenas como "supérfluo" na página da minha vida. Passei a buscar aulas gratuitas, onde havia oportunidades, lá estava eu, desde os grupos de dança nas escolas onde estudava até o grupo da Universidade, quando ainda podia sonhar. Até o dia em que um acontecimento fortuito ofuscou o meu brilho. Um tumor benigno, mas terrível, na mandíbula, amputou-me os sonhos. Mutilada a face, perdi também as asas.

Os sonhos são como asas, permite-nos voar, subir, elevar. Perdê-los é ser arremessado no espaço vazio. Diante dessa prova que a vida me ofereceu, mergulhei fundo na negatividade que habita o meu inconsciente e passei a encontrar desculpas para não mais seguir em frente. Abandonei a dança, abandonei a Universidade e ... tentei abandonar a vida. Muitas vezes, culpei à Deus pelo infortúnio: "Por que Senhor, por que me permitiu sonhar e depois destruiu os meus sonhos?".

Não sabendo lidar com as frustrações, tornei-me agressiva. Descarregava nos outros aquela descarga de energia negativa que mutilava a minha alma, sem perceber que o outro apenas possibilita-nos treinar. Passei a buscar vários mecanismos de defesa para não me sentir culpada pela minha desistência. Culpar o outro diminui a própria frustração. Ainda sabendo que só consegue quem tenta, inventava subterfúgios para não enfrentar a triste realidade à qual me atirei. Não queria ver que, como disse Margaret Lee: "A felicidade não é uma estação onde chegamos, mas uma maneira de viajar".

Sem conseguir lidar com o problema, tornei-me uma pessoa infeliz. Ainda sabendo que todo mundo tem problemas e frustrações, eu não conseguia vencê-las, era uma energia mais forte do que a minha vontade. E, para sair do abismo é preciso vontade firme. Como ensina Joanna de Ângelis, somos essencialmente emoção. Por não termos passado mais vezes na escola da razão, não sabemos tratar ainda com as emoções. E assim, acabamos deixamos a emoção sabotar a razão. A proposta do Espiritismo, segundo Emmanuel, "é através do consciente resgatar-nos no inconsciente". Todos trazemos tendência a negatividade, o que difere são as graduações. Eu não percebia o grau de negatividade que existe em meu ser.

A partir da Doutrina Espírita, compreendo que desisti da dança porque não tive coragem bastante de reconhecer que era a vaidade que imperava e conduzia as minhas ações. Como foi difícil voltar para dentro de mim, e ver o quanto a sensualidade representava uma barreira na minha escalada evolutiva. Segundo os Benfeitores Espirituais, são causas de muitas encarnações fracassadas:  o poder, a sensualidade, a riqueza e a necessidade.

"O orgulho, eis a fonte de todos os vossos males" (E. S.E.). Somos os únicos responsáveis por nossos fracassos e sofrimentos. Deixamos de seguir livres, porque livres fomos criados, e acorrentamo-nos ao grilhão do orgulho e da vaidade. Estamos presos porque não percebemos em nós mesmos a essência divina que somos. Não percebemos a existência e a grandeza de Deus em tudo o que há na Terra, no Céu, no Mar, no Oceano, enfim, desperdiçando assim, muitas das nossas existências. Existências que nada mais representam que a misericórdia divina, visto que, são azos de uma vida futura feliz. Como ensina Jesus: "A felicidade ainda não é deste mundo". Conquanto, é a partir do presente que construímos o futuro. No mais, tudo e todos somos instrumentos utilizados pelo Criador para que a evolução humana aconteça.

Meus pais não foram culpados por preterir o meus sonhos, os sonhos eram meus, eu os preteri.  Nem Deus, por colocar-me à prova. Deus não quer que ninguém sofra, deseja apenas que educamos os nossos instintos primários. "O sofrimento que não provoca murmurações pode ser, sem dúvida, uma expiação, mas indica que foi antes escolhido voluntariamente do que imposto; é a prova de uma firme resolução, o que constitui sinal de progresso" (E.S.E, cap. V; 9).

Eu tive, apesar do rosto mutilado, a oportunidade de voltar a dançar em um grupo profissional, não suportando sentir-me "feia", recusei a oportunidade e continuei a lastimar a minha sorte. Não compreendia que desejo não é o mesmo que vontade. Para alçar voos na imensidão do espaço é preciso bem mais do que simples desejo. E, não é a roupagem pesada que cobre o Espírito, que nos impossibilita o salto, mas, as amarras da própria consciência.

"Vontade é o desejo educado" (Adenáuer Novaes). O desejo nada mais é do que "cobiça", "propósito", "intuito". Já a vontade é faculdade anterior, potência, convicção. Para realizar não basta desejar, é preciso essa força interior que nos capacita a tomar uma posição mediante algo que nos apresenta. A todo momento somos chamados para o bem e para o mal, escolher é o nosso livre-arbítrio. A todos os momentos somos influenciados pelas vibrações espirituais, seja dos bons ou maus espíritos, onde cada uma se dá de acordo com a nossa evolução moral. Se temos tendência para o bem, as maiores influências são benéficas, caso contrário malévolas. Muitas vezes, somos intuídos de sentimentos que nos geram desejos benéficos, e, deixamos de praticá-los por falta de vontade.

Para admitir que se tem um problema é preciso coragem. Quem não tem confiança em si mesmo jamais irá interrogar a própria consciência, pois, faltará coragem para se reconhecer. As imagens negativas absorvidas formam uma auto-imagem depressiativa. A auto-imagem negativa não é compatível com a felicidade. A Doutrina Espírita não ensina a aceitar o sofrimento, mas, transformar o sofrimento em felicidade a partir do conhecimento de si mesmo: "Conhece-te a ti mesmo" (L. E.; Q. 919).

Para ser feliz é preciso mudar e para mudar é preciso permitir se conhecer, e para se conhecer é preciso vontade firme. Jesus ensinou e o Espiritismo veio confirmar: "Fora da Caridade não há Salvação", essa é a melhor forma de se conseguir auto-confiança. É fazendo o bem para o outro que nos tornamos melhores. Tornando-se melhor tudo melhora na vida. Não é através da vontade dos Espíritos e nem porque Jesus colocou no seu coração, mas, porque você mudou.

O passado, como a própria palavra diz, "passou". Não devemos permanecer presos ao passado, o que deve permanecer são as lições apreendidas, que nos fortalecem para seguir em frente com maior sabedoria. Não a sabedoria de tudo saber, mas a de saber que tudo posso naquele que me  fortalece. Acreditar que tudo tem seu próprio tempo de acontecer, e que a evolução é gradual e perene. O Espírito sendo imortal nunca deixará de evoluir. É preciso crer em Jesus quando nos ensina: "Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. A cada dia basta o seu mal." (Mateus 6; 24). Acolhamos à nós mesmos com amor, para libertamos-nos desses grilhões que nós mesmos nos infligimos. Que Assim Seja!

Luz e Amor!




"A inteligência é rica em méritos para o futuro, mas com a condição de ser bem empregada. Se todos os homens  bem dotados se servissem dela segundo os desígnios de Deus, a tarefa dos Espíritos seria fácil, ao fazerem progredir a humanidade. Muitos, infelizmente, a transformam em instrumento de orgulho e de perdição para si mesmos.  O homem abusa de sua inteligência, como de todas as suas faculdades, mas não lhe faltam lições, advertindo-o de que uma poderosa mão pode retirar-lhe o que ela mesma lhe deu" (Bem-Aventurados os Pobres de Espírito, cap. VII; 13. O Evangelho Segundo o Espiritismo).