“O conflito não é entre o bem e o mal, mas entre o conhecimento e a ignorância” (Buda).
Em 17-10-2013, às 18:20hs.
Queridos amigos e irmãos em Cristo, retornando às postagens após dois meses de ausência para compartilhar a minha pesquisa monográfica de conclusão de curso em Ciências Sociais, com habilidade em Sociologia, sobre a violência entre os pares adolescentes realizada em duas escolas públicas da periferia de Salvador/BA. Proponho-me trazer, hoje, para esta discussão, uma visão fundamentada na codificação de Kardec.
Este trabalho não se encontra na íntegra, apresenta apenas alguns pontos considerados de maior importância para a discussão proposta.
Que a luz do Mestre Jesus nos ilumine o caminho.
- Violência entre os pares adolescentes
“Nossa juventude atualmente parece amar o
luxo. Tem maus modos e desprezam a autoridade. São irrespeitosos com os adultos
e passam o tempo vagando nas praças, mexericando entre eles... são inclinados a
contradizer seus pais, monopolizam a conversa quando estão em companhia de
outras pessoas mais velhas; comem com a voracidade e tiranizam seus mestres”.
(SÓCRATES, séc. VI a.C.)
Lendo esta citação, é possível perceber que o comportamento jovem é o mesmo em todos os tempos, em quaisquer lugares. A juventude corresponde a fase de transição entre a infância e a fase adulta. Tanto a infância como a juventude são construções sociais e como tais necessitam de uma compreensão das circunstâncias nas quais emergiram em determinados conscientes, de como se dão as relações interpessoais, familiares e comunitárias. Ser criança ou ser adolescente não está, exclusivamente, determinado pelo ambiente familiar, mas, além disso, também às redes e aos grupos dos quais esses sujeitos fazem parte.
O uso dos termos “infância” e “adolescência” não possuem o mesmo significado em diversos momentos históricos, como na Antiguidade, Idade Média e Modernidade. Como citado por Nérici (1969) o grande filósofo Platão definiu adolescência como uma “embriaguez espiritual”. Aristóteles chamou esta fase de “idéia cheia de desejos”, sendo capaz de fazer tudo o que se tem vontade. Já o grande filósofo francês Jean Jacques Rousseau dizia que é na adolescência que o homem nasce de verdade para a vida. Para o filósofo, a adolescência é uma espécie de formação do indivíduo, uma verdadeira recriação.
A adolescência, assim, é vista de diferente formas em diversos países, de acordo com a cultura e as tradições. A ONU – Organização das Nações Unidas - define a fase entre 15 e 24 anos de idade, mas deixa aberta a possibilidade de diferentes nações definirem o termo de outra maneira. A OMS – Organização Mundial da Saúde – define o adolescente como o indivíduo que se encontra entre os 10 e 20 anos de idade.
No Brasil, o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente – estabelece ainda outra faixa etária, dos 12 aos 18 anos de idade. O pedagogo Waldorf (2000) defende que a adolescência está entre os 11 e 21 anos de idade, período em que o jovem começa a desenvolver a sua ação no mundo, a mãe e o professor cedem lugar para a turma. Segundo Waldorf, "o jovem abraça o modernismo e grifes para se sentir seguro externamente. Ele só aceita autoridades que lhe pareça verdadeiras. É quando acontece a “queda do paraíso”, ou seja, a separação dos sexos e a estreita relação com o corpo, sendo a sua aparência de grande importância. Nasce uma grande crise existencial da busca por uma profissão, cercada por um pensamento lógico e cheio de sonhos".
Pela análise sociológica, o processo da adolescência tem em vista a conquista de si mesmo, afirmar-se em uma identidade própria, resultado de uma extensa e incomoda revisão das experiências adquiridas na infância e das identificações estabelecidas anteriormente. É nesse período que o adolescente estabelece um distanciamento da família e passa a privilegiar as relações sociais com os iguais (grupo), esse grupo lhe servirá de matriz identitária. O grupo pode lhe ser favorável, atribuindo-lhe uma autonomia, ou pode, inversamente, contribuir para a submissão retirando-lhe a análise crítica.
A sociedade ocidental contemporânea tem uma visão de adolescência correlacionada a aborrecimentos, indisciplina, agressividade e muita rebeldia. Essa visão atribui muito cedo características muito generalizadoras e equivocadas aos adolescentes, o que causa consequências ao seu desenvolvimento psíquico e emocional. A rebeldia pode estar associada à falta de ética dentro das escolas ou a falta de atenção e carinho em casa, na família.
Assim,
compreender a violência entre pares adolescentes significa compreender a
violência ocorrida “entre iguais”, ou seja, entre sujeitos da mesma
faixa etária e que estão na fase da adolescência. Esses sujeitos formam
“grupos”, “tribos” ou “galeras” onde a violência pode ser gerada e
fortalecida.
Contudo, com as transformações ocorridas na sociedade contemporânea, é notada mudanças, de tempos em tempos, na significação do termo violência. A partir do meu estudo de campo, pude observar que violência para os pares adolescentes das Instituições de Ensino Público da periferia de Salvador significa, antes de tudo, agressão e maus tratos, e, por isso, ela deixa marcas. Dessa forma, considerando à intersubjetividade aferida ao conceito de violência pelo grupo investigado, o primeiro ponto a se trabalhar foi à noção de violência, ou seja, procurar saber o que se entende por este termo.
A violência, de
acordo com Cappi (2009), não é a mesma coisa do conflito, ela representa uma
maneira específica de lidar com um conflito.
Segundo o autor, o conflito é um elemento insuperável da condição humana. O conflito está ligado à diversidade, logo à possibilidade
de escolha: havendo duas opções diferentes, uma será provavelmente incompatível
com a outra, gerando-se assim um conflito.
A violência constitui uma
opção singular de gestão do conflito. É quando não há lugar para o outro. Uma
maneira onde o “outro”, considerado negativamente e de maneira hostil, precisa
ser anulado, se for o caso, eliminado (CAPPI, 2009, p.29). Em rápida análise, segundo o autor, o que os distingue é a
interação que está presente no conflito e ausente na violência. No conflito
permite fazer e refazer. Na violência é inviabilizada a interação, porque ela
aniquila o outro.
Como agir em sociedade, como conviver com outras pessoas, é uma preocupação do homem com os costumes sociais. Émile Durkheim (2004) explicava Moral como à “ciência dos costumes”, sendo algo anterior à própria sociedade. A Moral tem caráter obrigatório. Já a palavra Ética,
Motta (1984) defini como um conjunto de valores que orientam o
comportamento do homem em relação aos outros homens na sociedade em que
vive, garantindo, outrossim, o bem-estar social, ou seja, Ética é o desejável, o aconselhável, a forma que o homem deve se comportar no seu meio social. Como ressalta Durkheim:
“(...) A lei moral não pode ser reservada a alguns homens; ela não é um favor destinado a uma pequena aristocracia como acreditaram os antigos algumas vezes; não é um luxo, algo supérfluo que se pode viver sem: ela é necessária. É preciso, portanto, que todos os homens possam perceber a lei moral em um só lance de olhar (...) Mas se a lei moral é fundada sobre o interesse; ela poderia satisfazer essa condição? Evidente que não. Nada é tão difícil como reconhecer nosso verdadeiro interesse; é preciso para isso uma longa experiência, e os resultados obtidos ainda não estariam de acordo. A lei moral fundada sobre o interesse não pode, pois, ser obrigatória, portanto, ela não satisfaz a duas condições obrigatórias da lei moral” (DURKHEIM, 2004, p. 109).
O
medo e a insegurança fazem parte da vida em sociedade, num misto de
comoção pelas vítimas, indignação e raiva. Sentimentos, muitas vezes,
difíceis de se descrever. Mesmo em situações aparentemente
pacíficas, a violência é, sob muitas formas, uma realidade quotidiana
que destrói vidas e relega à sobrevivência em condições de iniqüidade: o
desemprego, o analfabetismo, a insegurança, a exploração, a falta de
perspectivas futuras. Diante deste
contexto, pais, professores e educadores vêm enfrentando dificuldades na
educação das crianças e adolescentes, ao buscar transmitir padrões,
valores e normas de conduta que possam garantir uma vida em grupo, que
lhes dê inserção, participação social, ao mesmo tempo em que o pleno
desenvolvimento de suas potencialidades.
Pierre Bourdieu (1998), concebe valores (status) como produção das necessidades, logo, os valores são construídos. Como afirma o sociólogo francês, cria-se um gosto comum que diferencia e muitas vezes até mesmo hierarquiza simbolicamente (não legalmente), frequentemente, isso produz um valor agregado (marcas) relativo a um bem, a um produto comercializado. Para a educadora Telma Pileggi Vinha (2010), coloca que os valores estão relacionados a perdas e ganhos. Então, por que seguir valores quando pode significar perdas concretas? Essa é uma questão levantada pela pesquisadora, em seus estudos sobre os conflitos nas escolas. Em entrevista, a educadora esclarece que quando não se cumpre um “dever” daquilo que se sabe deveria ser feito, temos sentimentos diferentes como: culpa (“foi mal”) ou, alegria (“me dei bem”), de acordo com a formação de valores adquirida.
Valor, como define a educadora, é um princípio revestido de afetividade. Segundo
Telma Vinha, conhecimento só não basta, o conhecimento deve estar
revestido desse princípio. Logo, a escola deve ser um espaço em que as
crianças e jovens aprendam não apenas o conteúdo didático, mas também
atitudes éticas, de amor e respeito ao próximo. Os professores devem
promover esse enriquecimento coletivo a partir da integração entre os
alunos, com amizade, respeito e carinho.
Em contrapartida, há uma tese que defende que a afeição é natural, ou seja, a tese de que nós amamos por natureza, assim, nossas afeições ultrapassam nosso círculo imediato de familiares e amigos a um amor desinteressado por toda a humanidade. A afeição natural é o que mantém as sociedades coesas (SHAFTESBURY, 1900, pp. 1-10).
O conflito de afetividade é um fator, não menos importante, que precisa ser observado e cuidado entre os pares adolescentes. O amor também se aprende, visto que a afetividade é considerada por diversos estudiosos, como Jean Piaget (1896-1980), um processo evolutivo. O afeto não é inato, como defende Shaftesbury (1900), pois, se assim fosse, os pais amariam os seus filhos desde a sua concepção e não haveria que se instituir socialmente uma “paternidade responsável”. O amor, assim, já garantiria essa responsabilização. No entanto, muitos filhos são relegados ao abandono, criados por mães solteiras ou avós que assumem toda a educação e provimentos dessa prole.
A afetividade é um estado psicológico do ser humano que pode ou não ser modificado a partir das situações. Segundo Piaget, tal estado psicológico é de grande influência no comportamento e no aprendizado das pessoas juntamente com o desenvolvimento cognitivo. Faz-se presente em sentimentos, desejos, interesses, tendências, valores e emoções, ou seja, em todos os campos da vida. A agressão, bem como a afetividade, pode ou não ser modificada, uma vez que é também aprendida, conforme defende vários teóricos da aprendizagem. Os adeptos da visão da agressão como uma resposta aprendida argumenta que, se há sociedades em que o comportamento agressivo não se manifesta, ou se manifesta muito raramente, pode-se concluir que é a aprendizagem e não o instinto que desempenha importante papel na agressão.
Em meio a esses conflitos de valores, o educador Mário Sérgio Cortella (2009) atenta ao fato de que, os pais delegam poderes às escolas e não participam da educação dos filhos, o que não inocenta as escolas. Cortella (2009) adverte que os pais devem ser exemplos para os filhos. Observa-se que a “guerra”, muitas vezes, começa em casa, quando o pai chega a casa e reclama do trânsito e diz: “se tivesse uma arma, dava um tiro na cara dele”, ou, a mãe lhe diz: “se você fizer isso eu quebro a sua cara”, essa atitude poderá refletir no comportamento da criança (CORTELLA, 2009).
Segundo o educador, os adultos hoje não estão presentes na vida dessas crianças, as crianças precisam dessa convivência familiar com os adultos, essa distância coopera com a quebra das regras disciplinares que rege o convívio social, assim, os pais colocam na escola toda a responsabilidade dessa educação. A responsabilidade é de todos para promover a paz nas escolas (pais, professores e alunos). Porém, o professor, na atual conjectura, além de transmitir conteúdos, ele é professor, psicólogo, pai, mãe, avó, abarca toda situação que a sociedade transfere para a escola.
Não obstante, a mídia tem divulgado inúmeros casos de agressão contra alunos desde a infância. Não raro, professoras são flagradas agredindo crianças em creches. Para conter crianças de um ano de idade, professoras usam a violência e a intimidação. Como violência gera violência, as crianças, assim, tornam-se adolescentes agressivos. A escola é um lugar para estudar e preparar o futuro, no entanto, verificam-se alunos que agridem professores, alunos que se agridem uns aos outros, professores que agridem alunos e a educação vai se perdendo em meio à violência.
- A Família
Da
mesma forma que as definições do que é “adolescência”, as definições de
família sofreram mudanças ao longo da história da humanidade. Para a
Sociologia, a família tem sido objeto de diferentes visões, entre elas:
(1) visão institucional, idéia que dominou a Sociologia Clássica do
século XIX e início do século XX, onde a família é base de toda a
sociedade e cumpre as funções sociais, política, econômica e educativa,
assumia como modelo único a família nuclear (pai, mãe e filhos); (2)
visão estrutural-funcionalista, ao contrário da anterior, afirma que a
família não deve ser encarada como micro sociedade, responsável pelas
principais funções sociais. Aqui, a família tem funções específicas
como: a socialização dos filhos e firmar relações do adulto com o meio
físico e social; (3) visão marxista, a família é sempre produto
histórico de cada formação socioeconômica, a família da sociedade
capitalista seria um retrato da sociedade de classes: de um lado a
classe dos homens, oprimindo a outra classe, a de mulheres, e; (4) visão
interacionista, a família como uma unidade de pessoas procurando
construir continuamente as suas relações.
Na contemporaneidade, a visão tradicional que se tem de família, aquela
que aponta para uma unidade social e econômica organizada em torno de um
par de cônjuge heterossexual, ou seja, um casal capaz de ter filhos e
garantir a produção das próximas gerações vem sendo questionado, tendo
em vista os modelos da família atual, pois além do crescente número de
casais sem filhos por opção, existem famílias formadas com filhos de
diferentes relacionamentos: monoparentais (por meio de inseminação
artificial) e homoparentais (adoção de filhos por casais homossexuais).
Apesar das transformações ocorridas na sociedade do século XXI, é grande
o número de pessoas que ainda tem a idéia romântica de família, aquela
com um núcleo constituído por um pai, uma mãe e seus filhos biológicos
ou adotivos.
Para o antropólogo
brasileiro Luís Fernando Duarte (1994) o valor família tem grande peso
em todas as camadas da população brasileira. No entanto significa coisas
diferentes dependendo da categoria social. Assim a relação
indivíduo-família não pode ser pensada da mesma forma em todo lugar,
pois a própria noção de família varia conforme a categoria social com a
qual estamos lidando. Contudo, o mais importante a ser observado, não
são os tipos de família que se formam, mas, o movimento de organização e
reorganização que desenvolvem pontos de fragilidade na busca de
respostas possíveis para o seu grupo, dentro de sua cultura e de suas
necessidades de projetos.
- Motivação
A minha inquietação surgiu em 2011, quando, por um breve
período, atendendo a necessidade de demanda de uma das escolas em questão e
pela relação de amizade com a coordenadora pedagógica, assumi provisoriamente
duas turmas, da 6ª e 7ª séries do Ensino Fundamental, em regime de estágio,
espaço de tempo que pude observar o abandono e a negação por parte de alguns
educadores com relação e esses adolescentes. Fui orientada por alguns professores para não
dedicar o meu tempo em esforços para ajudar esses alunos na educação porque
eles “não têm futuro”. Esta percepção
encontra-se também já na seleção de estagiários para licenciatura, é comum
ouvir desses prováveis futuros educadores falas surpreendentes a despeito da educação
pública hoje: “(...) não estou nem aí
para os alunos, é só aprovar e pronto, do jeito que a violência está, além do
que, o Estado não me paga para correr riscos”.
Quando eu olhar para uma criança ou adolescente e vir somente um “futuro marginal”, eu desacredito da educação.
Essa foi a minha indignação frente ao descaso aos conflitos existentes nas escolas públicas da periferia de Salvador. Os jovens são tratados por essas Instituições como nascidos para a marginalidade, e, por isso, muitos educadores não lançam nenhum esforço para que se reverta essa condição. A falta de capacitação de profissionais da área de educação em tratar com as novas demandas sociais, em especial, com o fenômeno da violência escolar é um problema grave e que merece maior atenção dos órgãos competentes e da sociedade.
Tratar os adolescentes como “futuros marginais” é relegar a esses adolescentes a responsabilidade de uma questão que é de ordem social e que vem sendo tratada como algo natural. Ninguém nasce determinado a “ser” algo, o meio não determina o caráter do sujeito. O que determina se mau ou bom caráter são as nossas escolhas. As escolhas seguem as nossas boas ou más tendências. Então, devêssemos acreditar que quem nasceu economicamente desprovido, está fatalmente fadado à marginalidade e à delinqüência social.
A pobreza até pode contribuir com a delinqüência juvenil, mas não é um fator preponderante. Contribui na medida em que o consumismo é fortemente incentivado pela mídia, por exemplo. Muitos jovens acreditam que para ser aceitos em determinado grupo da sociedade como iguais precisam desfilar “grifes” (marcas). Nas escolas este comportamento é muito comum entre os pares adolescentes, fazendo parecer que cidadania se compra, não é um direito. Ou seja, para ser reconhecido como um cidadão é preciso “ter” (um celular de ponta, um tênis de marca, uma roupa de grife, etc.). O crime, muitas vezes, tem sido uma porta aberta para esses jovens, uma vez que o Estado encontra-se ausente e não garante a cidadania.
A criminalidade é uma forma de se exercer o poder, ou seja, de ser aceito e respeitado no grupo. Mesmo em bairros carentes, de baixo poder aquisitivo, destaca-se quem possui esse “algo mais” que o eleva aos demais habitantes, é a “noção do status como estratificação social” de que trata Max Weber (1999). O status, como coloca Bourdieu (1998), o que mais faz na verdade é distinguir, segregar, e essa desigualdade gera a violência social.
A
condição socioeconômica vivida por esses adolescentes, ainda em fase
escolar, o baixo poder aquisitivo, exige deles uma urgência em entrar no
mercado de trabalho, ainda que informal, muito precocemente, seja para
ajudar no sustento da família, seja para ocupá-los tempo integral como
uma forma de retirá-los da “marginalidade”, papel que poderia ser
exercido pela escola, dar um ensino de tempo integral a esses jovens,
capacitando-os para o mercado de trabalho num prazo mais curto e,
garantindo-lhes a proteção social.
A partir dessa minha breve experiência em sala de aula e considerando a descrição da vida cotidiana desses alunos, procurei a coordenação pedagógica para saber mais sobre eles, compreendê-los. Iniciei, assim, o meu campo exploratório. O relato surpreendeu-me: a família é considerada a grande vilã na vida desses adolescentes e responsável pela agressividade desses alunos.
A inversão de papeis na família, decorrente dos novos arranjos familiares, contribui para a violência escolar, como relata a pedagoga. A mãe tornou-se, em grande parte dessas famílias, a provedora, enquanto o pai é ausente de responsabilidade no sustento e na educação. Existem jovens que nem mesmo conhecem o pai, outros são cuidados pelas avós, enquanto as mães trabalham para o provento da família. Comentou a coordenadora, que muitas mães não participam da educação dos filhos na escola, delegando a escola toda responsabilidade na educação dos filhos, não participam de reuniões escolares e com o novo processo de matricula digital implementada pelo Governo nas escolas, muitas nem na escola aparecem, terminando o ano letivo sem nem mesmo se conhecer quem são os pais desses adolescente.
Nos
dias atuais, ainda é possível ver pessoas que acreditam que espancar é a
melhor forma de educar os filhos. Conquanto, analistas sociais defendem
que em geral, crianças cujos pais adotam práticas violentas no seio
familiar, com práticas primitivas físicas ou verbais, tendem a usar
estes mesmos recursos quando interagem com outras pessoas. Para alguns alunos entrevistados, se o pai quer o “melhor” para o filho, o castigo físico não é considerado violência. Contudo,
a maioria dos alunos entrevistados que declararam sofrer esse tipo de
maus tratos em casa não concordam e acreditam que somente piora a
situação de violência, declaram que os filhos ficam revoltados e
descarregam nos colegas, isso aumenta a violência na escola.
Existe
nessas famílias casos de dependência química, pais usuários de drogas
ilícitas, gerando graves consequências na educação desses jovens. Fiquei
muito comovida com o relato de que um aluno não pode entregar o
material didático doado pela Secretaria de Educação e Cultura (SEC), no
final do ano letivo, simplesmente porque o pai utilizou como
cigarrilhas para consumir drogas.
Não se pode cobrar de um aluno que não seja repetente na série se esse
aluno não encontra suporte na família para estudar, se são esses os
valores que lhe estão sendo repassados pelos próprios pais. Ninguém dá o
que não tem.
Diante de tantos questionamentos outros, e com o apoio da coordenadora, decidi trabalhar o tema para buscar melhor compreender o que está ocorrendo nessas escolas, com esses adolescentes. A coordenação alertou-me de que os alunos não se disponibilizariam a dar essas entrevistas por serem muito desordeiros. No entanto, para minha surpresa e alegria, de imediato eles aceitaram participar das entrevistas, tanto focal quanto individual, eles pareciam mais querer fazer uma denúncia. Observei que esse trabalho é tão importante para eles quanto o é para mim. Foi somente aí que me desarmei e posicionei-me como “futura pesquisadora social”, pois, até então, encontrava-me travada, assustada com a condição de “marginais” a que foram rotulados de início, rotulação pela qual me condicionei também. Liberta das pré-noções pude finalmente interagir com os grupos investigados, experiência bastante marcante e edificante para o meu processo de evolução, não só como pesquisadora social, mas, e principalmente, como pessoa.
Busquei, então, ouvir esses alunos, saber o que pensam sobre violência, e, pude observar que eles trazem outra percepção do termo que não dialoga paralelamente com os conceitos já formalizados pelos pesquisadores sociais. Nem todos atos de agressão são reconhecidos como violência entre os pares adolescentes. E, essa noção de violência percebida pelos pares adolescentes chamou-me a atenção. A partir de então passei a questionar-me de como poderia buscar um conceito social único sobre um termo tão subjetivo. Percebendo estar possivelmente diante de duas visões diferentes, mas, importantes sobre o tema: a visão científica e a visão dos nativos, decidi sondar a noção sobre violência que esses adolescentes têm na atualidade, para então, posteriormente, analisar o fenômeno da violência escolar a partir dessa intersubjetividade aferida ao termo por estes pares adolescentes.
De acordo como afirma a maioria dos alunos, a violência adquire um caráter subjetivo, é como a pessoa “sente”.
_ “Se a pessoa sentir aquilo como agressão, ela vai pensar.
No aspecto social é extremamente complexo definir agressão. Quando vemos um indivíduo defender seu ponto de vista de maneira enfática compreendemos que é agressivo; falamos, por exemplo, de direção agressiva, etc. A Psicologia Social procura definir agressão qualquer comportamento que tem a intenção de causar danos físicos ou psicológicos a outro organismo como à agressão física, agressão verbal e simbólica. É fundamental que haja intenção no ato. Só se caracteriza agressão o ato que deliberadamente se propõe a infligir dano a alguém. A agressão não precisa ser necessariamente física, pode ser moral (RODRIGUES, 1999).
Porém, na percepção dos alunos investigados, a violência está diretamente associada às agressões do tipo físicas, descrita por eles como: “chute”, “facada”, “murro”, “queimar o outro”, “dar cadeirada”, “arrebentar”, “matar”. Em suma, para a maioria dos alunos entrevistados:
_ “A violência dói”.
O “bullyng” não é considerado um ato de violência entre a maior parte dos adolescentes entrevistados. Uma grande parte considera o “bullyng” apenas como uma “agressão verbal”. Porém, não considera a agressão verbal uma forma de violência. Apelidar, chamar por nomes feios será considerada violência dependendo de quem os recebe, fora disso é visto como "normal", uma brincadeira ou "zoação", nada que fere. E, se não fere, não é violência.
Conquanto, não ser reconhecido como pessoa é uma forma de violência, por exemplo ser chamado de negro, mesmo sendo negro, ou, "viado" ainda sendo homossexual. Neste caso, aparece a questão do reconhecimento (intersubjetividade aberta), de que trata Bourdieu. O individuo não quer ser reconhecido “apenas” por aquele símbolo, ele é mais do que o símbolo. O conflito tem várias camadas, a expressão aferida ao sujeito é só a ponta do “iceberg”. O conflito aqui é negativo, pois atinge a identidade do indivíduo e reduz o indivíduo a uma expressão. É o que Bourdieu denominou de “violência simbólica”.
Para a Psicologia Social a violência simbólica uma agressão hostil. Ou seja, aquela que pretende satisfazer impulsos derivados de estados emocionais fortes como ira, raiva, revolta, os quais criam à necessidade da agressão como forma de vingança, sempre dirigida a pessoas. A violência simbólica quase sempre vem com aparência de brincadeiras e acaba sendo muitas vezes banalizada. Observei que as “mães” são muitas vezes utilizadas como alvo para ofender o outro, e mesmo ficando aborrecidos, os adolescentes acabam levando na brincadeira, assim, essa forma de agressão passa ser considerada “normal” entre os pares adolescentes.
Para os adolescentes entrevistados, os atos de agressão serão considerados formas de violência levando-se em consideração: de “quem” parte a agressão; de “como” é recebida a agressão e; do “por quê” (da intenção). E não, necessariamente, “o quê” (o ato em si). Ou seja, deixando à parte a agressão do tipo física, considerada entre os adolescentes como violência, as demais agressões (psicológicas, verbais, ou simbólicas) em si, podem ou não significar violência.
A ameaça, de acordo com os alunos entrevistados, torna-se um ato de violência dependendo de como o outro reage a essa ameaça. É a “reação” e não a “ação” em si mesma que determina a ameaça como violência. A ameaça, assim, pode ser caracterizada como uma provocação direta, pois, tende a gerar na vítima um sentimento de reciprocidade, ou seja, uma resposta. A um comportamento agressivo responde-se com outro tão ou mais agressivo quanto.
2. Gênero
Segundo Wagner Paulon (2009), sexo é um fator que desempenha um papel
tanto na agressão humana como no animal. Há evidências de que os machos são
mais rápidos em expressar a agressão física do que as fêmeas (Frey et al.,
2003); (Bjorkqvist et al. 1994). Embora as fêmeas sejam menos propensas a
iniciar a violência física, elas podem expressar agressão, usando uma variedade
de meios não-físicos para infligir danos aos outros.
Os métodos usados pelas
mulheres para expressar a agressão é algo que varia de cultura para cultura. De acordo com Ana Beatriz (2010), “estudos revelam um pequeno predomínio dos meninos sobre as meninas. No
entanto, por serem mais agressivos e utilizarem à força física, as atitudes dos
meninos são mais visíveis. Já as meninas costumam praticar bullying mais na
base de intrigas, fofocas e isolamento das colegas. Podem, com isso, passarem
despercebidas, tanto na escola quanto no ambiente doméstico”.
Contrariando a esses dados, a pesquisa revelou que as brigas (agressão
física) ocorrem mais entre pares de meninas. Conforme relato da educadora:
_ “Em questão de bagunça são os
meninos: jogar bolinha de papel, arrastar cadeira, gritar e sair da sala
correndo são os meninos, mas, agressão mesmo física, aqui dentro, são as
meninas, dentro da sala, quando a gente escuta os gritos e chega lá, uma está
grudada no cabelo da outra, ou se azunhando”.
3. Intolerância sexual e religiosa
A intolerância pela orientação sexual é bastante presente na fala desses
adolescentes, principalmente entre o grupo de meninas. Contestou uma aluna:
_ “Ninguém é obrigado a ver os
órgãos sexuais do outro, ele optou por ser “gay” mais tem os órgãos masculinos,
as meninas não são obrigadas a vê-los no banheiro feminino”.
Quanto à religião, foi possível perceber que há um conflito religioso
entre os alunos. Segundo depoimento dos adolescentes e da educadora, havia na escola uma senhora - “amiga da escola”,
que nos intervalos de aula levava mensagens evangélicas para tentar
diminuir a violência entre os alunos, mas, “os meninos a colocaram pra correr”. Declararam alguns alunos:
_ “Ah! Não gosto de crente!”.
O grupo ficou bem dividido quanto à questão religiosa, muitos se
declararam contra os evangélicos, outra parte, a maior, não tolera as
religiões de matrizes africanas (Umbanda e Candomblé), as quais eles denominam
de “macumba”. Revelou-se no momento da entrevista uma perseguição a um
professor, por ele ser considerado“macumbeiro”. Já, uma pequena parte, afirma a
necessidade de uma educação religiosa na escola e considera a falta de amor como
causa da violência.
_ “Falta amor, por isso que existe
tanta violência”.
4. Mídia
Os dados indicam
que hoje existe uma banalização da violência e da vida, conforme depoimento da
educadora:
_ “Ante ontem teve um assassinato aqui no bairro (...) eles (alunos)
estavam com a filmagem toda, mais parecia que estavam assistindo a um filme emocionante,
mostrando para todo mundo a filmagem, no celular, do homem morto, o sangue,
achando aquilo lindo. Eu não conseguia ver e eles criando brigas para
assistir”.
A mídia tanto pode significar um pólo identificador da violência, contribuindo em suas denúncias de maus-tratos e agressões, como também, pode exercer fortemente influência para a violência. De acordo com os
próprios alunos e educadores, a própria mídia contribui muito com a banalização da
violência, no momento que faz parecer como algo normal e, os adolescentes acabam
reproduzindo esse comportamento como natural.
O
naturalismo, como defende Taylor (1999), opera propagando a idéia de um
conceito de ação humana ou de self objetificado, livre de suas
auto-interpretações morais, tidas como fontes de auto-engano. É a partir desse
naturalismo, que é possível se defender que as instituições modernas são
neutras, baseadas em critérios meritocráticos e igualitários. O naturalismo não
permite ver que por de trás de instituições e práticas sociais existe sempre
uma hierarquia moral que serve de pano de fundo para os agentes agirem e
julgarem uns aos outros. Com isso, torna a realidade um simples “dado”,
funcionando a partir de uma lógica pragmática de interesses, em relação a qual
não há o que fazermos. (MATTOS, 2007, p.51-52).
A discussão que
se polariza em torno do tema é: a mídia cria uma sociedade agressiva ou
simplesmente reproduz e retrata uma realidade social violenta? Para muitos a
mídia é a grande responsável pela exacerbação e banalização da violência, como
mostra a investigação, atingindo especialmente as crianças, que sob a
influência da mídia, crescem encarando a agressão com naturalidade e sem
perplexidade.
Os defensores da
mídia recorrem à hipótese da catarse, sustentando que assistir programas
violentos contribui para descarregar tensões e energias agressivas e que a
violência é anterior a televisão. Inúmeros são os estudos desenvolvidos por
psicólogos e cientista sociais que apresentam resultados que quanto mais as
pessoas assistem violência na televisão quando criança, maior a probabilidade
de desencadear comportamentos violentos na fase adulta.
5. Espaço físico
A escola é o espaço físico onde se constrói a identidade social. Nas
minhas análises foi possível verificar que a escola tornou-se um
ambiente de reunião social sem uma função determinada, onde tudo se
discute menos a educação e o aprendizado. É um lugar de encontro onde se
desenvolvem as relações afetivas, o namoro, a amizade. É onde se criam
vínculos com grupos, com os quais se busca identificar-se e formam-se
“tribos”. Conforme o relato de uma coordenadora pedagoga:
_ “Nos
dias atuais, a escola passou a ser um “point”, o ponto de encontro onde
crianças e adolescentes reúnem-se para discutir “coisas” que estão fora
da escola. Os alunos não se interessam mais em estudar, mas, no
entanto, gostam de ir para o ambiente escolar. Eles sentem falta da
escola quando estão de férias”.
Assim, o "gostar" de
estar na escola, enquanto espaço físico, pode significar um ponto
importante para retirar os jovens da marginalidade mantendo-os em tempo integral na escola, desenvolvendo as
suas potencialidades. A juventude não pode cair no vazio do óscio. O trabalho não pode ser visto como sacrifício, mas, como um meio de se conquistar um objetivo concreto. É preciso, pois, estimular sua criatividade, liderança e competitividade para
melhorar sua autoestima.
Comumente, voltei com muitas indagações das entrevistas. As sensações foram diversas e profundas. Algumas vezes, fui às lágrimas. Houve momentos que as vozes pareciam causar-me pânico. Fiz todo um roteiro e fiquei, muitas vezes, sem nem mesmo saber o que dizer para eles. Queriam respostas que eu também não saberia lhes dar. Em muitos momentos foram enfáticos: _ ”Queremos respeito!”, e eram quase unânimes. São violentos sem, no entanto, reconhecerem-se violentos. Odeiam a violência e estão envoltos nesta mesma violência. Procurei não me envolver emocionalmente com o grupo, pois, sendo pesquisadora, aprendi que preciso ser objetiva em minhas investigações. Contudo, não dá para tratar o ser humano como simples objeto de estudo, afastando-se por completo da subjetividade
Por
mais que procure, através de indícios, não consigo aferir aos
adolescentes a responsabilidade pela situação de violência ocorrida nas
Instituições de Ensino Público. Quando os escuto, suas vozes não os
revelam culpados, ao contrário, os absolvem. Não são maus, nem
perversos, são apenas vítimas da ignorância e da exclusão social. Percebo que há
todo um processo ulterior, ou seja, um processo que não está atrás, está
além deles. Já ultrapassou eles e agora vem de encontro, de "choque"
contra eles, arrastando-os para um caminho quase sempre sem volta: a
delinqüência social, o crime, o homicídio e as drogas.
Tratar de forma excludente os adolescentes, estigmatizando e
desqualificando por causa de sua condição socioeconômica e cultural,
sem analisar a fundo as entrelinhas, não irá sanar o problema da
violência nas escolas, nem da sociedade como um todo. Só contribuirá
para uma sociedade ainda mais doente. O sentimento de não pertencimento,
fatalmente, leva esses individuo e a própria sociedade aos conflitos
internos. A violência na escola é um reflexo desse sentimento de
violação de direitos humanos: direito a dignidade, ao respeito, ao amor,
a educação, direito à vida.
O
papel do pesquisador e orientador não é julgar e sim analisar. Mas, infelizmente, entre julgar e analisar prevalece ainda o julgamento. Não
existe um formulário já pronto quando tratamos de vidas humanas. Na
minha ignorância, creio que trabalhar as causas da violência juvenil sem
antes lhe conhecer o sentido, é aplicar um antídoto sem conhecer o
veneno. Concordando com a análise de Durkheim, a sociedade é um grande
organismo e cada indivíduo é um órgão com função própria, logo, o que se aplica a
um não se aplica a todos. Quando um órgão perde a sua funcionalidade
toda a sociedade adoece. É preciso um esforço conjunto para que não se “ampute” esse membro social e torne a sociedade
ainda mais capenga (injusta).
Solução? Agora parece-me utopia. Não quero afirmar com o meu posicionamento inicial que os diversos analistas sociais estejam equivocados em seus conceitos. Concordando com Weber (1973), o resultado de uma análise é sempre uma probabilidade de uma verdade. A explicação científica não é absoluta. Porém, nem sempre esses conceitos se aplicam de forma concreta à realidade social vivenciada por esses adolescentes, ou, pelo menos os adolescentes não reconhecem determinados atos considerados agressivos como de fato uma agressão.
"Não são as ideias que muda o mundo, é a ação" (Karl Marx). Compreender a violência através da visão dos adolescentes que a vivenciam no seu dia a dia, é tarefa nada fácil. É preciso fechar os livros, abandonar as pré-noções e, estudar as pessoas, entender a partir do contexto em que se estão inseridas, ouvir sua história para poder compreender seus conflitos, compreender os mecanismos da violência a partir do contexto em que se dão esses conflitos.
Descobrir o que está além do que se apresenta pode ser considerada uma preocupação de fundamental importância na pesquisa social. Como coloca Meed, o pesquisador tem que ser capaz de se tornar objeto de si mesmo, através da visão do outro, se posicionar no lugar do outro sem perder a sua mentalidade. As pesquisas podem ir além do que indicam os dados. Ir ao encontro das pessoas é entrever em que contexto está inserido a historia de vida dessas pessoas. É necessário saber ouvir. E, saber ouvir é saber escutar, é se posicionar no lugar do outro para compreender o outro. Ouvir (sons, ruídos, etc. ) é uma capacidade do aparelho auditivo. Escutar é perceber, dar atenção. Para ouvir o que realmente as palavras querem dizer é preciso silenciar e perceber o que está nos interstícios silenciosos.
"Cessa o teu canto! Cessa, que, enquanto o ouvi, ouvia uma outra voz como que vindo nos interstícios do brando encanto com que o teu canto vinha até nós. Ouvi-te e ouvia-a no mesmo tempo e diferentes, juntas a cantar. E a melodia qua não havia se agora a lembro, faz-me chorar..." (Fernando Pessoa).
"Amai muito, para serdes amados". Está máxima é revolucionária e segue uma rota firme e invariável (E.S.E.). A paz, tanto nas escolas, quanto nas famílias, bem como, em toda a humanidade é responsabilidade de todos. Pais, amem seus filhos! Filhos, amem seus pais! Irmãos, amem-se uns aos outros como uma grande família universal que sois. É desse amor que estamos falando como solução para todas as formas de violência no mundo terreno. "É preciso encarar a família humana como a sua própria família, porque essa família ireis reencontrar um dia em mundos mais adiantados, pois os Espíritos que a constituem são, como vós, filhos de Deus" (E. S. E., cap. XI; 10).
A família também é uma escolha, é instituída a partir das relações sociais. Nascemos na família na qual precisamos ajustar as nossas faltas pretéritas e, em alguns casos, tem-se a missão em ajudá-la, de alguma forma, a evoluir. Não precisamos ser necessariamente inimigos passados, pode-se constituir, sim, num laço de muita afeição - Espíritos afins.
A responsabilidade da família pelo comportamento dos filhos nasce em função do comprometimento de cuidar desses seres, destinados por Deus, já que nada acontece sem a permissão Divina, para que eles possam retornar ao Pai: "O que fizeste da criança que lhe confiei?" (E.S.E). Os pais devem, assim, orientar os seus filhos, desde cedo, aparando-lhes as arestas de suas tendências nocivas, inerente a cada Espírito. Contudo, os pais não responderam pelas escolhas dos filhos, "certas" ou "erradas". A livre escolha é do Espírito: "A cada um será dado segundo a sua obra" (E.S.E.).
Como esclarece os Benfeitores à Kardec: As crianças são os seres que Deus envia em novas existências e, para que não lhes possa impor uma severidade muito grande, dá-lhes todas as aparências de inocência. Mesmo para uma criança naturalmente má, cobrem-se-lhe as faltas com a não-consciência dos seus atos. Essa inocência não é uma superioridade real sobre o que eram antes; não. é a imagem do que elas deveriam ser e, se não o são, é sobre elas somente que recai o castigo (...)" (L.E. questão 385).
A família pode ser estruturante ou desestruturante, segundo diversos teóricos, mas, considerando que o ser não vive unicamente no contexto familiar, ele interage socialmente nas diversas instituições: educacional, religiosa, cultural, etc., que podem fazer o papel de facilitador nos relacionamentos sociais. Logo, o indivíduo age segundo as suas próprias tendências, sua vontade, já que é livre para escolher diante dos diversos contextos em que está inserido. O indivíduo não precisa seguir o mesmo caminho dos membros que compõe a sua família, sem com isso deixar de amá-la. Foram as instituições religiosas que pregaram como indissolúveis as instituições familiares, colocando como "pecado" ir contra os pais. São os chamados de "ovelha negra da família".
Honrar pai e honrar mãe significa respeitá-los, mas, não subordinar-se a eles: "Quem são meus irmãos, quem é minha mãe?" (Jesus). "Todo aquele que fizer a vontade de meu Pai que está no céu é meu irmão, minha irmã e minha mãe" (E. S. E.). Tomo por exemplo, um catador de lixo, exemplo já visto em nossa sociedade, que teria todas as condições de ser um "marginal" (no sentido da delinquência e não por viver à margem da sociedade). Entretanto, escolheu ser um homem de bem, estudando e passando em Direito, recolhendo livros dispensados no "lixão" (Recife/PE), tornando-se um profissional respeitado, mesmo sob condições adversas.
Talvez,
possa-se viver bem sozinho, mas, a família é o melhor lugar para se
estar. Hoje, infelizmente, a instituição família é pouco valorizada. A
família deveria ser o lugar de encontros de Espíritos que se afinam, é o
lugar onde se deveria encontrar reunidos por laço de afeição: crianças,
jovens, adultos e velhos. O lar deveria significar: Lugar de Amor e
Respeito. Porém, as uniões hoje são instáveis. Começa-se pensando como
terminar: "Se não der certo, separa". Isto porque, o amor não é
mais o elo das uniões conjugais. Não se faz mais aliança com o amor.
Muitos outros interesses estão envolvidos nessas relações. Paixão não é amor,
é vício como qualquer outro vício. Amor é zelo, é estar com o outro
pelo o outro, ama-se não por isso ou por aquilo, mas, ama-se apesar de...
"O pai não gera o Espírito do filho; fornece-lhe apenas o envoltório corporal. Mas deve ajudar seu desenvolvimento intelectual e moral, para o fazer progredir". Atualmente as
crianças vão desde cedo para as creches, ou, ficam na companhia de
babás ou avós, sendo que a responsabilidade da educação dos filhos é dos
pais. Deus irá perguntar-lhes: "que fizeste da criança confiada à vossa guarda?" (E.S.E. cap. XIV; 9). Muitos
pais estão mais preocupados em formar "homens bem sucedidos" e,
esquecem-se que o melhor seria formar "homens de bem".
Conforme os Benfeitores falam a Kardec: A infância tem ainda uma outra utilidade; "os Espíritos não entram na vida corporal senão para se aperfeiçoas, se melhorar; a fraqueza da pouca idade os torna flexíveis, acessíveis aos conselhos da experiência e daqueles que os devem fazer progredir. É quando se pode reformar seu caráter e reprimir-lhes as más inclinações; tal é o dever que Deus confiou aos pais, missão sagrada pela qual deverão responder" (L. E., Q. 385).
"Aonde está o teu tesouro, aí está o teu coração". Irritamo-nos com as crianças
porque esquecemos que já fomos crianças. Além do que, filhos rouba-nos o tempo. Assim, muitas vezes, envelhece-se sozinho e vazio. Busca-se tantas ocupações para aquisição de bens materiais, riquezas e esquece-se dos mais belos tesouros que a Divindade nos dá. E o tempo .... Ah! o tempo! Só percebemos o quanto é grandioso quando não temos mais nada do que nos ocupar.
Os Espíritos Benfeitores esclarecem que o o autoconhecimento é um caminho essencial para
que o homem promova o encontro do sentido de significado para a vida.
Responsabilizar-se é ter autonomia sobre si mesmo, sobre sua vontade,
sobre seu desejo. Passamos a vida inteira culpando os outros por nossos
fracassos e sofrimentos, esquecendo que as escolhas são sempre nossas.
Incapazes de perdoar uma ofensa, a mais leve, esquecendo que a mágoa é
não respeitar o movimento do outro, como coloca Divaldo Franco, é egoísmo.
Tornamo-nos menos magoáveis se aprendermos a respeitar o momento do
outro.
Os efeitos da lei do amor são o aperfeiçoamento moral da raça humana e a felicidade durante a vida terrena. Os mais rebeldes e os mais viciosos deverão reformar-se, quando presenciarem os benefícios produzidos pela prática deste princípio: "Não façais aos outros o que não quereis que os outros vos façam, mas fazei, pelo contrário, todo o bem que puderdes" (E. S. E.).
Como ensina André Luiz, devemos ter em mente sempre o dever de ir de encontro com a miséria, ser indulgentes com nosso semelhante. Ajudar sem julgar o outro, independente do vício que ainda não domina, lembrando que cada um tem o seu próprio tempo na escala evolutiva. Ajudar sem se contaminar, só se contamina com o vício do outro quem ainda não venceu seus próprios vícios. A religiosidade não está na igreja, nem nos templos, a religiosidade é antes contemplada em cada um de nós. A divindade não é algo encontrado fora do homem. Nós somos a morada de Deus. Deus é amor, Deus é luz, quem está com Deus não pode estar nas trevas. Não importa o credo, o que importa é a caridade, o bem que se faça. O tempo não espera por ninguém. O hoje é uma dádiva e por isso é chamado de presente. Mudar é uma caridade primeiro para consigo. A justiça é Divina e não humana. A justiça só tem valor com amor e caridade. Justiça é fazer bem ao seu semelhante, o mesmo bem que procuramos. Que Assim Seja!
Luz e Amor!
"E vieram à casa: e concorreu de novo tanta gente, que nem mesmo podiam tomar o alimento. E quando isto ouviram os seus, saíram para o prender; porque diziam: Ele está furioso, - E chegando sua mãe e seus irmãos, e ficando da parte de fora, o mandaram chamar. E estava sentado à roda de um crescido número de gente, e lhe disseram: Olha que tua mãe e teus irmãos te buscam aí fora. E ele respondeu, dizendo: Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos? E olhando para os que estavam sentados à roda de si, lhes disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos. Porque o que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, e minha irmã e minha mãe". (Marcos III; 20-21 e 31-35 - Mateus, XII; 46-50).
(Honra o teu pai e a tua mãe, cap. XIV; 5. O Evangelho Segundo o Espiritismo)